Presente de Núpcias (por Nelson Rodrigues)

Ficou noiva num dia. Na manhã seguinte, bem cedinho, toca o telefone. A empregada atende embaixo. Carolina pergunta do alto da escada:
— Pra mim?
E a empregada:
— Pra senhora.
Desce correndo. Esperava um telefonema do noivo. Mas não era Alfredo. A princípio, não reconhece a voz. E tem a surpresa quando a outra (era uma mulher) dá o nome:
— Sou eu, Sofia.
Cai das nuvens:
— Sofia? Mas há quanto tempo! Como vai? Bem?
A outra responde:
— Navegando. Olha, Carolina. Preciso muito falar contigo.
— Comigo?
— Contigo. Escuta. Estou aqui na esquina. Você podia vir até a praça? Eu te espero lá. O.k.? É um assunto urgente.
Custa a responder:
— Vou já.

O curioso é que, desde o primeiro momento, teve medo. Deixa o telefone e passa na cozinha, onde a mãe tomava café. Disse:
— Sabe quem era, mamãe? A Sofia. A Sofia, que foi namorada de Alfredo. A Sofia, mamãe!
Finalmente a velha lembra-se: “Aquela chata?”
Suspira:
— Essa. Quer falar comigo. Que será, meu Deus? Não vejo essa criatura há séculos.
Subiu rapidamente. Estava vestida com o quimono rosa. Põe um vestido simples (era jeitosa de corpo e de rosto) e vem se olhar no espelho. Com a mão, ajeita os cabelos e, em seguida, espreme um cravo na ponta do nariz. Desce e avisa de passagem:
— Volto já, mamãe.
Sofia esperava, na praça, sentada num banco. Carolina chega-se, senta-se. Disse, nervosa (uma angústia sem motivo):
— Você está bem, Sofia?
Sorria com sacrifício. Sofia começa:
— É verdade que você ficou noiva do Alfredo,ontem? Responde. É verdade?
Ergue o rosto:
— Sim.
Sofia abre a bolsa, apanha e acende um cigarro. Joga fora o fósforo e continua:
— Bem. Se você ficou noiva do Alfredo, precisa saber do seguinte:ontem, está ouvindo?Ontemeu estive no médico. — Em conclusão: — Eu estou, ouviu, Carolina? Estou.
Não entendeu: “Está o quê?” Sofia crispa a mão no seu braço:
— Você entendeu, sim, entendeu?! Vouterneném.
Pausa. Carolina pensa: “Essa mulher nunca teve juízo!”
A outra completa:
— E o filho é do teu noivo. Te chamei pra dizer: o filho é do teu noivo!
Olham-se. Carolina balbucia, com um começo de choro:
— De Alfredo?
— Exato. De Alfredo, teu noivo. De Alfredo, perfeitamente. Alfredo. Olha, Carolina. Olha pra mim. Responde: você ainda quer casar com Alfredo? Quer?
Ergueu-se em câmara lenta:
— Escuta, Sofia! Você não gostou de mim, nunca! Nem eu de você. No colégio, você já não me suportava. Não pense que vai me tirar o noivo. Eu não deixo! Está ouvindo? Vou me casar, sim, e não adianta, está ouvindo? Não adianta!
Sofia levanta-se também.
— Duvido que esse casamento se realize! Duvido!

Chega em casa, aos soluços. Atira-se em cima de uma cadeira: “Oh mamãe, mamãe! Aquela desgraçada! No colégio, era a minha asa negra!” Apavorada, a mãe quis ser prática:
— Telefona pra Alfredo! Agora! Eu telefono!
A própria mãe ligou. O rapaz tomou um susto: “Alguma novidade?” E a velha:
— Só pessoalmente! Vem, já! Te esperamos!
Apareceu uma meia hora depois, em pânico: “Mas que foi que houve?” Carolina lança-se aos seus braços. Pergunta, sôfrega:
— Houve isso, assim, assim. É verdade? Fala!
O rapaz desprende-se:
— Filho meu? Meu? Ela disse que era meu?
Soluçou:
— Disse!
Alfredo segurou a noiva pelos dois braços:
— Carolina, olha. A coisa que eu mais adoro é minha mãe. Minha mãe tem uma dilatação. Pode morrer a qualquer momento. Pois eu juro pela vida de minha mãe. Deus é testemunha. Juro pela vida de minha mãe que é mentira! — E repetia, atirando patadas ao chão: — Mentira!
Maravilhada, balbucia:
— E o filho?
Na sua sinceridade feroz, explode:
— Sei lá de quem é o filho! Nem interessa. Meu é que não é. Deve ser de algum cara e ela bolou a chantagem. Mas comigo, não, violão. O que é que há? Não estou aqui pra ser pai do filho dos outros! É uma chantagem, percebeu? Chantagem reles!
Então, a noiva, deslumbrada, agarra o rapaz:
— Acredito em ti! Acredito! Oh, querido!
Ali mesmo, na frente da mãe, dá no rapaz um beijo na boca. A velha fazia o comentário:
— Mulher não gosta de mulher. Mulher odeia as outras!

Passou, ou por outra: o episódio teve um efeito: aumentou o amor que já era grande. E quando (uns seis meses depois) chegou o dia do casamento, Carolina podia dizer: “Mamãe, eu sou a mulher mais feliz do mundo!” A cerimônia estava marcada para meio-dia e meia. Às onze e pouco, a criada vem avisar: “Uma moça quer falar com a senhora.” Vem atender e recua: era Sofia. Muito pálida, disse:
— Estou com uma hemorragia braba. Mas fiz questão de trazer o teu presente. Olha.
Ela carregava uma coisa embrulhada em panos. Descobre o presente e Carolina, fascinada, olha: via um bonequinho nu, lívido e hediondo. Carolina custou a perceber que era um recém-nascido morto. E, então, em gargalhada de bruxa de disco infantil, Sofia oferecia-lhe o pequenino cadáver:
— Toma! O filho do teu noivo! Segura! O filho do teu noivo!

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