O Troféu



Beata era moça discreta, polida, prendada e de familia importante. 
Felizberto era o extremo oposto.
Conhecera-o em um festival de "cavalo de pau". Um "racha" de carros turbinados que ocorria toda sexta na Avenida Winners da província de WinnerLand.  

Foi tesão a primeira vista!
De lá para o Drive In, até culminar em 2 anos de namoro. A familia sempre contra!
Beata não se tocara, mas Felizberto, sempre que podia, pegava o carro emprestado dos amigos para impressionar a garota. Quando não conseguia, dizia que o carango estava na oficina. 
Funcionou bem durante 2 anos. 
Felizberto não havia percebido, mas Beata o colocara na linha e moldara o relacionamento de acordo com suas conveniências. Depois a coisa esfriou e a relação foi ficando monótona! 
Alguns dias se salvavam. 

Bebendo sangria no parque, alimentando os animais no zoológico, um cinema mais tarde ("Ninguém ama ninguém por mais de dois anos" era o Filme em questão) e depois, lar, doce lar. 
Parecia um daqueles "Perfect Days" do Lou Reed. 

E então aconteceu...  

Aquele instante em que surgem de lugar nenhum, indivíduos "Super Powers" com suas manobras mágicas, na única e exclusiva intenção de impressionar a garota alheia.
Todos cheios de destrezas, perfeitos nas suas imperfeições. Vaidades que um dia virarariam ruínas aos olhos de Beata. 

- Eu sei que parece que eles gostam de você, mas não gostam! (Dizia ele)

- Não gosto de gente que se inferioriza! (Argumentava ela)

- Já havia pensado na possibilidade desse seu argumento e tenho a resposta para tal. (Ele respondia) Não querer alardear seus dotes, não significa se inferiorizar. 

Felizberto, quase que numa inocência pueril, acusava seus próprios defeitos. Estava provando de seu próprio veneno. Conquistara Beata da mesma maneira, exacerbando  suas manobras mágicas no "cavalo de pau", mas parecia adotar nova tática.

Beata não compreendia, mas Ele a queria proteger, da forma mais impulsiva e apaixonada que se poderia imaginar. 

- O problema é que você não deixa ninguém gostar de você, Feliz. (Ela o chamava carinhosamente) Se continuar assim, vai acabar sozinho.

-  É hoje que eu não durmo a noite! Que tal a partir de agora, só andarmos a pé? (Ele retrucava)

- Aff... E aí você se protege nessas ironias? (Beata)

- Sim. A aparência não ajuda e não tenho recursos. É o que me resta! (Sacramentou, Felizberto)

Sua Ironia era deveras ácida, mas Beata, no fundo, admirava. 
O maior defeito de Felizberto era exacerbá-los!

O certo é que ela trocou a duvida pela certeza. 
Traiu a Felizberto com um renomado Cirurgião Plástico do exterior.
Dr. Holiday era o queridinho da familia de Beata.
Desmarcara encontros com Feliz, alegando "vida corrida" de mulher independente.
E assim sucedeu-se...
Beata e Dr. Holiday. Anos que a fizeram rejuvenescer

Seduzida pelas aparências, descobriu mais tarde que sua pequena certeza não passara de uma amarga ilusão. A duvida a amargurava dia e noite. 
Tentou suprir e procrastinar o máximo que pode sua infeliz escolha, mas, no fundo, no fundo, bem no fundo, apesar daquela vidinha simples que passara ao lado de Felizberto, cresceu em seu interior, uma vontade louca de sacanear sua própria traição. Sentia falta dos dotes sagazes de Felizberto, que jamais encontrara em outra pessoa. Chegou a cogitar ter sido vitima de trabalho ruim. 
Apelou até para cartomante!

Foi até a casa de Feliz, ajoelhada e aos prantos e jurou nunca mais abandoná-lo.
As lágrimas corriam pelo rosto de Felizberto, infelizmente, mais castigado do que antes. O tempo foi deveras cruel para com Feliz, que, ao contrário de Beata, não possuía os recursos e os dotes que Dr. Holiday lhe proporcionara.
Ele jamais conseguira esquecer dos momentos em que passara ao lado de Beata. E da forma covarde com que ela o desdenhou e o abandonou. Não conseguia pronunciar uma palavra, mas não saía de sua cabeça um bolero do disco de Lupicínio Rodrigues que ela o presenteara certa feita: 

"Agora, você vai ouvir aquilo que merece!
As coisas ficam muito boas quando a gente esquece
mas acontece que eu não esqueci a sua covardia e sua ingratidão.
A Judiaria que você um dia fez para o coitado do meu coração!
Essas palavras que eu estou lhe falando
tem uma verdade pura, nua e crua.
Eu estou lhe mostrando a porta da rua 
pra que você saia sem eu te bater!"

Foi até a cozinha, apanhou uma faca, voltou até sua amada, abaixou as calcas e... 

deu o seu veredicto:

- Toma! Fica com o seu troféu.

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