Fabuloso (Blog do Jose Lino)

Foi encontrar o pai, furioso. Assim que Antoninha entrou, seu Burlamaqui começa:
— Vamos conversar. Senta.
Antoninha obedece. Ele ficou em pé:
— Escuta. Estive sabendo de umas coisas. E quero que você me explique o seguinte: como é que, entre o Ronaldo e o Caetano, você prefere o Caetano?
Balbucia:
— Ainda não escolhi.
O velho dá pulos:
— Escolheu, sim! Olha: te viram saindo do cinema com a besta do Caetano. Foi ao cinema ou nega? Vamos lá. Você nega? Quero ver. Foi ou não foi?
Baixa a cabeça:
— Fui.
Seu Burlamaqui não parou mais:
— Pois é. Foi ao cinema. Ir ao cinema com um rapaz é um compromisso. Eu não sou bobo e sei que, no cinema, acontece o diabo! O diabo! No escuro, a mão do homem não fica quieta. E a carne é fraca! Mas o que eu quero te dizer é o seguinte: o Caetano só tem defeitos e o Ronaldo é um anjo!
Seu Burlamaqui era sentimental, sentimental como o diabo. E acabou chorando. Tomou entre as suas as mãos da filha:
— O Caetano não presta. Soube coisas do arco-da-velha. Toma dinheiro de mulher, minha filha, toma dinheiro de mulher! É um chantagista! E olha: você conhece a Dorinha? Menina séria, decente. Pois ele prostituiu a Dorinha.
Assustou-se:
— A Dorinha?
E o velho:
— Quem me contou foi a própria mãe da Dorinha, a dona Carmem, sim, a dona Carmem. Ao passo que o Ronaldo é um rapaz cem por cento. Por esse, eu ponho a mão no fogo. Sujeito bem-encaminhado na vida, trabalha no Itamaraty. O Ronaldo é um partidão e gosta de ti pra burro.
Numa tristeza de todo o ser, disse, simplesmente:
— Fui ao cinema, mas ainda não escolhi, papai. Dou-lhe a minha palavra.
Seu Burlamaqui inclina-se sobre a filha. Faz o apelo:
— Chuta o Caetano! Chuta o Caetano!
Durante uma semana, não teve um minuto de paz. Perguntava à mãe, às irmãs, às tias: “O que é que eu devo fazer?” Havia uma unanimidade feroz: “Ronaldo! Ronaldo!” Uma vizinha, por sinal divorciada, foi taxativa:
— Menina, presta atenção. Caetano serve pra amante. Pra marido, nunca.
Um dos argumentos da família eram as viagens. Ronaldo era diplomata. A irmã caçula soprava:
— Você vai viajar pra caramba!
Finalmente, Antoninha foi falar com a dona Carmem, a mãe de Dorinha. Inibida, não sabia como começar:
— Dona Carmem, é o seguinte: estou numa situação muito difícil. Queria um conselho.
Para, ofegante. A velha, em pé, coçava a cabeça com um grampo:
— Fala, menina. Pode falar. Está com medo?
Tomou coragem:
— Dona Carmem, se tivesse de escolher um genro, a senhora preferiria o Ronaldo ou o Caetano?
A velha só faltou pôr a casa abaixo:
— O Caetano é um cachorro muito grande! Ou você não sabe? Foi ele, foi esse desgraçado que desgraçou minha filha. Perdeu a Dorinha. Mas esse cachorro há de ter um câncer na língua. Agarra o Ronaldo. Bom menino! Bom menino!
Antoninha levantou-se:
— Obrigada, dona Carmem. Muito obrigada pelo seu conselho.
Mais tarde, quando o pai chegou, disse apenas:
— Papai, escolhi o Ronaldo.
No dia seguinte, falou no telefone, pela última vez, com o Caetano: “Minha família se opõe. Não daria certo.” Ele foi surpreendente:
— Claro, meu anjo. Tua família tem razão. Eu não presto. Você é muito melhor do que eu. Mas olha: quero que você seja muito feliz. Tchau.
Antoninha saiu, chorando, do telefone. Com medo que a menina se arrependesse, a família correu com os papéis. O velho soprava para a mulher e para as outras filhas: “Casamento rápido! Rápido!” Quanto ao Ronaldo, era, realmente, um rapaz extraordinário. Ninguém mais delicado, mais terno, mais fino. Até os 28 anos de idade, não dissera um único palavrão. Era o gênio da educação, do cumprimento, da etiqueta. Só um tio de Antoninha, velho amalucado, discordava da opinião geral. Já declarara, várias vezes:
— Esse Ronaldo é uma boa besta.
Meses depois, há o casamento. Só depois da meia-noite é que os noivos foram para a nova residência. Chegam lá e Ronaldo, depois de beijar a mão da pequena, boceja:
— Você está cansada e eu também. Vamos dormir. É melhor dormir.
Uma semana depois, Antoninha dizia à mãe e às irmãs: “Pensei que casamento fosse outra coisa.” A vizinha desquitada fez espanto: “Você está com cara de quem comeu e não gostou!” Sorriu com sacrifício: “Indisposta.” No fim do primeiro mês do casamento, ela encontra-se com Dorinha, no meio da rua. A outra ia passar adiante. Mas Antoninha travou-lhe o braço: “Dorinha! Há quanto tempo!” Acabaram entrando numa sorveteria. Conversa daqui, dali, e Antoninha não resistiu à curiosidade:
— Uma pergunta. Que tal o Caetano?
A outra suspira:
— O Caetano! Olha: não vale nada e até pancada me deu. Mas que sujeito fabuloso! Nunca encontrei um cara que chegasse aos pés de Caetano. Antoninha, vou te dizer um troço: a mulher só é feliz com o homem que não presta! Isto é certo, minha filha, certíssimo!
Antoninha voltou para casa com um ar de sonho. Uma manhã, foi bater no apartamento de Caetano. O próprio abre a porta. Recua diante da garota. Ela foi dizendo: “Estou aqui porque todo o mundo fala mal de você. Eu quero saber como é um canalha.” Há, ali mesmo, o primeiro beijo. Caetano a carrega. Uma hora depois, e o rapaz pergunta: “Você conheceu o canalha: que tal?” Responde do fundo do sonho:
— Fabuloso!


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