A Cunhada - De Nelson Rodrigues

Casaram-se no civil e no religioso e, cerca das 9 da noite, partiram para o antigo Hotel Quitandinha, em Petrópolis. Lá passariam a lua de mel. No automóvel que os levou, Ernesto pergunta, junto à sua orelha, pequenina e sensível:
— Feliz?
Sonha:
— Demais.
E ele:
— Nunca pensei que se pudesse gostar tanto de alguém!
Magda suspira:
— Querido, oh, querido!
Passou. Chegam ao hotel e mal entram no quarto, toca o telefone. Os noivos se entreolham: “Já?” Ernesto atende: era a cunhada, Dorinha, chamando do Rio. Ernesto entrega o telefone à mulher. Simplesmente, Dorinha queria saber:
— Chegaram bem? Tudo ok?
— Tudo ok.
E a irmã:
— Estou rezando por ti. Felicidades, ouviu? E faz o seguinte: telefona amanhã. Dando notícias.
— Telefono.
Quando Magda acabou, Ernesto não se conteve:
— Tua irmã é de amargar! Não dá uma folga, puxa vida! Telefonar agora! Agora! Não tem o mínimo tato!
Aperta a mulher nos braços. Magda fecha os olhos e pede:
— Me beija, me beija!
A CUNHADA
Ele a carregou no colo como as noivas de filme. Magda pensa que a mulher não devia sobreviver a certas carícias. Dez minutos depois, toca novamente o telefone.
— Vou desligar.
E ela:
— Não, que pode ser lá de casa.
Era, outra vez, Dorinha. Pedia:
— Chama Magda.
A noiva atende. Com surda irritação, pergunta:
— O que é que há?
Dorinha baixa a voz:
— Cuidado, ouviu? Muito cuidado! Se por acaso...
— Não ouvi.
E a outra:
— Não posso falar alto. Escuta. Eu não confio no teu marido. Você se lembra daquele filme? Aquele? Na primeira noite, o marido estrangulou a esposa com uma echarpe. Olha: se você desconfiar de alguma coisa...
Magda perde a paciência:
— Não estou entendendo nada!
Na sua angústia, Dorinha insiste:
— Eu acho teu marido estranho, esquisito! Mas se ele tiver uma atitude suspeita, você grita. Grita mesmo! Pede socorro!
Era demais. Magda falou duramente:
— Escuta, Dorinha. Não telefona! Deixa de bobagem. Até logo, sim? Até logo!
Desliga. O marido apanha o telefone. Fala com a telefonista:
— Qualquer chamado pra cá, não liga. Diz que saímos.
O DRAMA
Durante os 15 dias que passaram no hotel, a irmã moveu-lhes um implacável cerco telefônico. Ernesto punha as mãos na cabeça.
— Será que tua irmã não desconfia? Que diabo! Ela devia perceber que o momento não é próprio! Afinal, estamos ou não estamos em lua de mel? Parece que adivinha e escolhe as ocasiões mais incríveis! Magda suspirava: “Gosta de mim?” O marido retruca indignado:
— De ti, gosta. De mim, tem raiva.
— Que exagero!
Teimou:
— Tua irmã não me suporta. Me trata bem, porque, afinal, eu sou cunhado. Mas não vai com a minha cara. Eu fico besta. Como pode? Como pode?
Sempre que Dorinha telefonava, Ernesto estava presente. Uma vez, porém, coincidiu que, no momento, o marido estivesse tomando banho. E, então, pôde perguntar: “Mas que história é essa? Que bicho te mordeu?” A outra responde:
— Não é história. Aquele livro de medicina legal, de papai, tem um caso que me impressionou demais. Era um sujeito que precisava matar as mulheres na posse. Um homicida sexual, entende?
Caiu das nuvens:
— Menina! Você está doida? Quer saber mais do que eu? Ernesto é normalíssimo! Nunca vi sujeito tão normal! — E repetia: — Mais normal do que eu!
A outra fez a insinuação:
— Veremos! Veremos!
ESCÂNDALO
Na volta da lua de mel, Ernesto queixou-se, amargamente:
— Tua irmã, que idade tem? Vinte e dois anos? Vinte e um? Devia arranjar um namorado, em vez de se ocupar com a nossa vida. Não está certo!
Chegam ao Rio e, conforme o combinado, vão morar com os pais de Magda. Na primeira oportunidade, Dorinha puxa a irmã: “Vamos conversar.” E, no quarto, Dorinha foi implacável:
— É chato o que eu vou te dizer, mas toma nota: teu marido é um tarado! Escuta, escuta! Você ainda vai me dar razão!
Zangou-se:
— Dorinha, te mete com a tua vida! Você não entende, percebeu? Se ele é tarado, eu sou pior! E me faz um favor: não fala do meu marido!
Dois dias depois, há a catástrofe. De repente, a casa se enche de gritos. Todos correm. Era Dorinha, enrolada numa toalha, que apontava para o cunhado e se esganiçava toda:
— Estava espiando o meu banho! E, depois, empurrou a porta! Empurrou a porta!
E, de fato, naquela casa antiga, as portas tinham imensos e indiscretíssimos buracos de fechadura. Ernesto, lívido, protestava:
— Eu não fiz nada! Nada! Juro!
Dorinha dava pulos:
— Espiou, sim! E, depois, empurrou a porta e me viu. A porta está com defeito!
No meio da indignação geral, o pobre-diabo tentava explicar: “Eu não sabia que tinha gente! Não sabia!” Jurou, deu a palavra de honra. Mas percebia que ninguém lhe dava crédito. O dono da casa foi chamado, às pressas. Era um velho terrível, severo ao extremo. Deu murros na mesa:
— Não respeitar as cunhadas, não! Escuta aqui. O sujeito que não respeita a cunhada é um canalha desprezível!
Magda chorava todas as suas lágrimas: “Não respeitou a minha irmã!” Sua decisão estava tomada: “Não posso continuar com o marido que dá em cima da minha irmã.” O pobre pergunta, por entre lágrimas:
— Você me enxota?
Ergueu o rosto duro:
— Tudo acabado!
O velho apontava a porta da rua: “Saia! Vamos! Saia!” Então, ouviu-se a voz nítida e vibrante de Dorinha:
— Já que minha irmã não quer o marido, eu quero. Eu fico com ele. Vamos, Ernesto. Vou contigo. E simplesmente, deu-lhe o braço.


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